Marco Aurélio Acosta

Do sul do Estado ao coração do Rio Grande

Prezados leitores e leitoras,

Esta coluna pretende trazer, nesta semana, um recorte de minha trajetória pessoal e profissional, especialmente de como foi meu encontro com a profissão professor e o trabalho com os idosos. 


Exercício difícil, pois como já nos ensinou Saramago, é preciso sair da ilha para ver a ilha. Sou bem antes de saber que era, natural de Rio Grande, no sul do estado. Filho de um militar mergulhão, como são chamados os nascidos em Santa Vitória do Palmar, na fronteira sul com o Uruguai (que alguns chamam de ‘fim do mundo’) e de uma funcionária pública nascida em Gramado.

 
Último de quatro filhos, tive uma boa infância, cercada de sonhos, como toda criança, poucas dificuldades e água, muita água. Rio Grande foi o primeiro povoamento português do Estado, no longínquo ano de 1737, e é possível imaginar as dificuldades enfrentadas por esses primeiros ocupantes de uma região inóspita, principalmente nos meses de inverno, com a presença de um vento permanente.

As disputas entre Portugal e Espanha se fizeram presentes na região com a busca de ampliação de territórios, inclusive com a ocupação espanhola de Rio Grande em 1763. Na infância os barcos que via partir e chegar, junto ao porto da cidade – o trem que chega, é o mesmo trem da partida, diria Milton Nascimento – apresentaram-me, percebo hoje, ao conceito da impermanência, ou, em outra perspectiva, da dialética natural da vida.

Acredito fortemente que as linhas que seguem registram a tensão permanente entre meus projetos conscientes e a presença do acaso, ou seja, quantas vezes navegamos sem destino? E lá se vão mais de 30 anos...

Atividades esportivas

Fui um estudante tranquilo na escola. Cedo me envolvi com as atividades esportivas, que na época representavam expressão única de uma Educação Física prestes a entrar em mudanças. Refiro-me aqui às alterações ocorridas no país na segunda metade da década de 80, em um Brasil em convulsão, com o processo de redemocratização que afetou também a Educação Física. Essa efervescência produziu novos campos de intervenção até então desconhecidos, como o trabalho com populações especiais e o trabalho com a recém-nomeada “terceira idade”.

No Ensino Médio, participava das equipes de voleibol e handebol da escola, hoje mais que centenária, chamada Colégio Estadual Lemos Júnior, além de frequentar as aulas regulares de Educação Física e compor as equipes da cidade nas competições do antigo Departamento de Educação Física e Desportos (DED), da Secretaria Estadual de Educação. Diante desse quadro, a escolha profissional se apresentou óbvia. Na época do ensino médio, outra paixão me acompanhava. Criado em uma família que até hoje respira música, tocar violão e percussão era consequência inerente às influências domésticas.

A Graduação

Cheguei para a graduação na UFSM no século passado, no longínquo ano de 1985. A expectativa de morar sozinho, ou ao menos longe da família, era grande. Lembro que nesse período o ingresso no curso de Educação Física tinha a exigência de um teste físico’ que consistia em algumas provas bem elementares, e que era realizado antes do vestibular. Recordo ainda o impacto que essa primeira vinda a Santa Maria e ao campus da UFSM me causou, quando a vontade de morar por aqui pediu querência. Sem perceber no momento, realizei uma aspiração, uma possibilidade inerente a quem nasce junto ao mar: lançar-se. Mesmo não sendo do interior, me senti um ‘gaúcho’ em sua primeira concepção, aquele que vagueia atrás da sobrevivência.

 
Durante a graduação, busquei experiências variadas, a lógica que hoje partilho com nossos alunos, ou seja, a necessidade de experienciar diferentes possibilidades de intervenção da Educação Física, certamente muito mais plurais nos dias atuais. Lembro também da participação no movimento estudantil.

 
Professor municipal

Por alguns anos, trabalhei na rede municipal de ensino de Santa Maria, inicialmente nas escolas Lívia Menna Barreto e Aracy Sachys, e depois cedido ao Sindicato dos Professores Municipais (Sinprosm), quando então tive condições de conhecer de perto as tensões e disputas no campo da educação pública. De forma simultânea trabalhei alguns anos em uma escola particular de Santa Maria, denominada Coração de Maria, o que até hoje me permite, na sala de aula da UFSM, estabelecer comparações entre alunos procedentes de mundos diferentes. Penso que, ainda que breves essas experiências ampliaram tanto minha compreensão de mundo como meu conhecimento do “possível” em um ambiente escolar.

 
Esse viés político foi descoberto ainda em minha cidade natal, participando da Pastoral da Juventude, na época inspirada pelos conceitos da Teologia da Libertação, uma tentativa dentro da Igreja Católica de fazer leituras de mundo com base marxista, tendo entre outros princípios, a opção pelos pobres.
Em 1990, trabalhei como professor substituto no Departamento de Metodologia do Ensino no Centro de Educação. A seleção para professor substituto e minha consequente entrada na rede municipal de ensino fizeram com que não concluísse o mestrado, mas me ajudasse até hoje nas disciplinas do curso de licenciatura.

Retorno à universidade

Voltei à UFSM em 1998, exatamente uma década depois da minha formatura, para cursar o Mestrado em Educação Física, tendo como base empírica o mesmo grupo que criei, discutindo questões de corporeidade. Na época, apliquei um instrumento exploratório com as idosas, selecionando algumas delas para uma entrevista em profundidade.

 
Dei continuidade aos estudos sobre envelhecimento no doutorado, quando tive a pretensão de buscar compreender um pouco da biologia do envelhecimento, movimento antagônico ao desenvolvido na dissertação.

 
Hoje, percebo uma compreensão, um olhar que esteve presente nessa trajetória, o olhar das humanidades. Reflito que o olhar da educação física que sempre me interessou – como no trabalho com a gerontologia – foi muito mais inspirado nas Ciências Sociais e humanas, com seu movimento, aceitação de incertezas, etc. Isso é facilmente comprovado com uma análise do meu acervo bibliográfico no Centro de Educação Física e Desportos, na sala 1035, que tenho ocupado há muitos anos. Os títulos que lá se encontram são, majoritariamente, do campo das humanidades, bem como minhas publicações em periódicos.

30 anos de passaram

Desde este início na UFSM, em 1985, ainda como aluno de graduação, mais de 30 anos se passaram e de modo muito rápido. Hoje quero agradecer aos milhares de idosos com quem tive o privilégio de conviver nas últimas três décadas, de Santa Maria e da Região Central, que nesse processo de trocas, muito mais me deram do que receberam.

 
Aos muitos amigos de outras instituições que fiz nesses anos todos. Navegar juntos ameniza as dificuldades do percurso.

 
Com essa rememoração do meu percurso pessoal e acadêmico, me despeço de vocês e desta coluna com pesar, pois foi prazeroso pensar a cada quinzena o que iria trazer como pauta. Estou em LTS – Licença para Tratamento Saúde – neste momento, tratando de um tumor no cérebro que surgiu em 2019. Desde então foram duas cirurgias, rádio e quimioterapia. Agora preciso descansar e cuidar um pouco de mim.


Nota da Redação: O Grupo Diário agradece a dedicação do colunista Marco Aurélio Acosta neste espaço quinzenal, do qual se despede hoje, e deseja a ele plena recuperação. Esperamos, em breve, receber boas notícias, professor!

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